sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

A Comédia dos Erros de Shakespeare e os Estrangeiros da Educação


Em janeiro, durante minhas férias, assisti à peça A Comédia dos Erros de William Shakespeare. Segundo alguns estudiosos, esta teria sido a primeira peça escrita, dirigida e interpretada pelo autor. A versão que tive o privilégio de assistir foi montada pelo excelente grupo teatral porto-alegrense Stravaganza.

Na Comédia dos Erros, Shakespeare nos conta a história de dois irmãos gêmeos idênticos, ambos chamados Antífolo e acompanhados de seus servos, também gêmeos e, também, com mesmo nome: Drômio. Na história os irmãos, separados na juventude por um naufrágio, empreendem uma busca um pelo outro.

A peça trata de encontros e desencontros entre os dois personagens e seus servos. Shakespeare, como poucos, desenvolveu uma trama hilariante onde os personagens passam por várias situações de conflito quando os dois irmãos e seus servos estão na mesma cidade, Éfeso (Grécia), mas sem que um saiba da presença do outro. Com isso, os dois irmãos passam a ser confundidos pela população local causando uma série de problemas um para o outro.

O auge da confusão acontece quando a esposa do Atífolo de Éfeso briga com o cunhado acreditando tratar-se do marido. Em meio à confusão, a mulher questiona o cunhado sobre uma série de assuntos, o gêmeo, sem entender, responde acreditando se tratar de outro assunto, como as respostas estão desencontradas a esposa acredita que o marido esta louco. A confusão somente chega ao fim quando os irmãos finalmente se encontram.

Também durante minhas férias, me deparei com um artigo publicado no jornal Zero Hora (13/01/2011) assinado pelo advogado e jornalista Cleber Benvegnú. Neste artigo, cujo título é “Quando a culpa também é do professor”, o autor trata dos problemas da educação no Brasil. Segundo Benvegnú, os maiores culpados pela má qualidade do ensino em nosso país são os próprios professores. Para ele, os professores preferem reclamar da baixa remuneração, das péssimas condições das escolas e da má educação dos alunos ao invés de se aperfeiçoar e atualizar. Também segundo advogado-jornalista, se os professores reclamassem menos e trabalhassem mais, a educação no Brasil seria muito melhor do que é.

Mas o maior problema desta discussão é que cada vez mais os veículos de comunicação abrem espaço para manifestações sobre os problemas da educação no Brasil para pessoas que não possuem formação para isso. Cada vez mais estrangeiros da educação tratam do assunto como se fossem especialistas da área.

Ao invés de darem voz para profissionais com a devida formação pedagógica, os veículos de comunicação brasileiros preferem ouvir o discurso de pessoas que pouco ou nada sabem sobre a realidade pedagógica e estrutural das escolas em nosso país. O autor do referido artigo, um advogado-jornalista, profere um discurso simplório (sem conhecimento de causa) e recheado de preconceitos sobre a classe dos professores, da qual se diz “filho de um professor”, como se isso o credenciasse a escrever o artigo.

Apesar de não ser especialista na área, Benvegnú se comporta como um. O que diria este autor se um professor criticasse a classe dos advogados (credo!) ou dos jornalistas como se fosse uma autoridade da área?

Como professor, leciono tanto na rede privada quanto na pública, posso afirmar que o professor reclamão retratado no artigo de Benvegnú é uma minoria em nossas escolas. O que não é minoria são as péssimas condições em que as escolas públicas se encontram. Uma das escolas que leciono possui buracos no chão, problemas de iluminação, sala de informática defasada, ausência de cadeiras e mesas em condições de os alunos estudarem e ainda muitos outros problemas. Mas mesmo assim, nós, professores, trabalhamos e muito bem driblando as dificuldades. É claro que existem os reclamões, mas esses são minoria. A grande maioria dos professores esta na profissão por convicção, fato que não exime as autoridades politicas de seu dever de dar melhores condições de trabalho e remuneração aos professores.

Benvegnú também escreve que os professores devem buscar o aperfeiçoamento, para melhor desempenharem sua profissão, fato que concordo, porém, o que o autor parece desconhecer é que a especialização possui um custo e que muitos professores não podem fazê-la simplesmente por que não podem pagar por ela.

Como na Comédia dos Erros, onde a esposa questiona o cunhado achando que conversa com o marido, os veículos de comunicação estão dando voz ao Antífolo errado. Pois o Antífolo que ouvem é aquele que desconhece o assunto que aborda, portanto, não tem como apontar a solução para o problema.

Esse é o grande erro dos estrangeiros da educação que falam de problemas e situações que desconhecem e se desconhecem não podem apontar a solução adequada. Assim como o Antífolo errado, Benvegnú não pode responder corretamente sobre situações que desconhece pura e simplesmente porque não vive naquela realidade.

Portanto, a melhora da educação no Brasil passa necessariamente por dar voz àqueles que podem realmente apontar soluções para o problema, ou seja, os professores e os profissionais da área, aqueles que vivem da educação.

Marcos Faber

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Política x Copa do Mundo: “Preocupado mesmo, eu estou com o Le Pen!”


Em 2006, o ultraconservador Jean-Marie Le Pen, candidato à presidência da República na França pela Frente Nacional, apareceu com um discurso onde defendia uma França dos franceses, ou seja, sem negros, sem orientais, sem árabes e sem estrangeiros.
Le Pen defendia uma França nascida da aliança entre Clóvis, rei dos Francos, e a Igreja Católica Apostólica Romana. Para ele, ser francês é descender desta aliança, portanto, Le Pen defendia que os “novos franceses”, principalmente imigrantes das ex-colônias não deveriam ter acesso à cidadania francesa.
Neste mesmo ano, aconteceu a Copa do Mundo da Alemanha.
Como sempre, existia muita esperança de que a seleção brasileira vencesse essa copa. Na verdade, para a grande maioria da crítica brasileira, havia a certeza de que o Brasil seria o campeão.
Alguns críticos chegavam a apontar àquela seleção como a maior desde o escrete de 1970. Chegaram a comparar Ronaldinho Gaúcho a Pelé.
 O “quarteto mágico” formado por Kaká, Ronaldinho Gaúcho, Adriano ‘Imperador’ e Ronaldo ‘Fenômeno’ era apontado como imbatível. Alguns exaltados chegavam a defender um “quinteto mágico” com o acréscimo de Robinho. Esses críticos esqueciam que futebol, como tudo na vida, necessita de equilíbrio, portanto, faltavam volantes àquela seleção.  
Deu no que deu! A seleção brasileira não jogou nenhuma partida bem, na verdade jogou muito mal em todos os jogos e acabou sendo eliminada pela França de Zinedine Zidane, Lilian Thuram e Thierry Henry.
Como sempre se buscou um culpado para a derrota. Afinal, “o Brasil é tão superior aos demais que quando perde, perde para si mesmo”, se a frase não fosse absurda, seria cômica. A caça às bruxas elegeu o ala-esquerda Roberto Carlos como o culpado pela eliminação. Diversos veículos de comunicação destinaram grandes espaços de seus preciosos horários para discutir os motivos da eliminação brasileira na copa. 
Notícias sobre a eleição presidencial, que ocorreria em poucos meses, como de costume, foi deixada para depois da Copa. Afinal, se tradicionalmente o ano no Brasil inicia após o carnaval, em ano de copa, o ano começa em julho.
Mas sobre a frase entre aspas no título desta coluna, ela é do jogador de futebol francês Lilian Thuram, membro da seleção francesa, e sintetiza o real lugar do futebol em nossa sociedade, ou seja, o futebol não é tão importante quanto se pensa!
Ao ser questionado por um jornalista se ele estava preocupado com a partida com o Brasil, que ocorreria no dia seguinte, Thuran respondeu “Preocupado mesmo, eu estou com o Le Pen!”, ou seja, futebol, um esporte, é apenas entretenimento, o importante mesmo é o que será de nosso país.
A resposta de Thuram (que é negro, nasceu em Guadalupe, distrito ultramarino francês no Caribe) endereçada ao candidato Le Pen, simboliza uma luta ideológica que ocorre na França ainda hoje, entre os que defendem uma França histórica herdeira do Império Merovíngio (fundado pelo rei Clóvis I, século VI) e os que defendem uma França histórica herdeira da Revolução Francesa de 1789. Enquanto o primeiro grupo exclui os que não são etnicamente herdeiros deste passado, o segundo, defende que todos os franceses são iguais, pois o lema dos revolucionários ‘Liberté, Egalité, Fraternité” (Liberdade, Igualdade e Fraternidade) garante a todos os franceses os mesmos direitos, para os integrantes deste grupo, os seguidores de Le Pen são resquícios de uma França que não existe mais desde a Revolução de 1789 e que, portanto, devem ser combatidos por representarem um perigo à República francesa.
Se para Thuram, a partida de quartas-de-final contra o Brasil era menos importante do que o embate político francês, no Brasil ocorria o contrário, aqui a política era deixada de lado para que se discutissem os motivos da prematura eliminação do país da Copa de 2006.
Discussão inútil, pois se nós brasileiros fossemos menos arrogantes no que se refere ao futebol, não buscaríamos os motivos da eliminação dentro do Brasil, mas sim, na seleção francesa, que na verdade era muito melhor do que a nossa. Assim como Zidane era melhor do que os 5 mágicos brasileiros, que de mágica mesmo somente fizeram o futebol do time desaparecer.
Hoje, fevereiro de 2011, se discute a mesma coisa com a prematura eliminação do Corínthians da Libertadores da América, curiosamente com Roberto Carlos e Ronaldo ‘Fenômeno’ no centro das discussões. Mas o que ninguém faz é discutir a rede de corrupção que se eterniza no comando do clube paulista à décadas.
Marcos Faber
www.historialivre.com
marfaber@hotmail.com