sábado, 30 de julho de 2011

O Discurso de formatura


Discurso de uma formatura que fui.

“Boa noite a todos os presentes, a todos os familiares e amigos dos graduandos e, claro, uma boa noite a todos os formandos”.

“Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a todos os graduandos de 2011 por me escolherem como paraninfo da turma. Espero honrar a escolha que vocês fizeram”.

“Também gostaria de afirmar que minhas palavras nesta noite não serão somente minhas, mas de todos os professores que em muito se empenharam para que vocês estivessem aqui hoje. A conquista é de vocês, o que muito nos orgulha”.

“Bom... dito isto, iniciarei minha fala. Na verdade não tomarei muito do tempo de vocês. Apenas desejo compartilhar com todos aqui presentes duas breves histórias”.

“A primeira delas envolve uma máquina e sua utilização”.

“A máquina de escrever foi inventada pelo inglês Henri Mill em 1714. Porém, a primeira máquina sequer tinha teclados, estes somente foram introduzidos em 1808 pelo italiano Pellegrino Turri. Entretanto, os aperfeiçoamentos na máquina de escrever foram muitos ao longo dos tempos, até que ela chegasse ao modelo mais recente, fabricada em 2011, ano em que a última fábrica destas rudimentares máquinas foi fechada na China”.

“Mas, voltando ao inicio da história”.

“Na Alemanha do século XIX, as máquinas de escrever haviam revolucionado a imprensa. As máquinas que tinham apenas 23 teclas (correspondentes às 23 letras do alfabeto alemão) funcionavam de forma bastante rudimentar: quando uma das 23 teclas era pressionada, acionava uma pequena haste de ferro que ao levantar pressionava a pequena peça de chumbo que havia em sua ponta (peça onde havia a forma da letra). Quando a pá era pressionada contra a fita (com tinta) deixava sua marca na folha de papel, ou seja, marcava a folha com a letra correspondente a tecla que fora pressionada”.

“Por volta do ano de 1850, o alemão Karl Marx proferiu uma de suas mais famosas frases ‘Dê-me 23 soldadinhos de chumbo e eu conquistarei o mundo’”.

“A segunda história fala sobre uma doença, a cegueira”.

“A cegueira pode se manifestar de 4 formas distintas: pode ser uma patologia nas estruturas transparentes do olho; pode ser um doença ou uma má formação da retina; também pode ser um problema no nervo óptico; ou ainda, um problema cuja origem esteja no cérebro. Mas a mais comum destas patologias é a que ocorre na retina, deixando a pessoa total ou parcialmente cega”.

“Quando um homem cego, que se encontrava nesta condição desde o nascimento, procurou Jesus, este não pensou duas vezes, juntou terra do chão, cuspiu nela para que virasse barro e passou a moldá-la até que formasse uma pasta. Então, Jesus aplicou esta pasta nos olhos do cego e disse ‘Vai, lava-te no tanque de Siloé. E ele foi, lavou-se, e voltou vendo’”.

“Duas breves histórias de dois homens cuja fé num propósito ultrapassaram todas as barreira que lhes foram impostas. Se Marx enxergava além de uma simples máquina de escrever, isto é, enxergava o potencial que a máquina teria em suas mãos. Jesus enxergava além da limitação humana, Ele enxergava a cura e a libertação e não as limitações que a racionalidade humana muitas vezes nos impõe”.

“Para finalizar, desejo a todos os formandos que vocês possam enxergar além das adversidades que vocês certamente encontrarão. Não se deixem limitar pelas aparências e pelas ‘verdades’ que possam querer impor a vocês. Ajam como agiu Marx, vejam como viu Jesus. Se assim o for, vocês certamente irão longe, muito longe”.

“Parabéns a todos e boa noite”.

Marcos Faber
www.historialivre.com
marfaber@hotmail.com

sexta-feira, 15 de julho de 2011

As relações de poder em sala de aula e as diferentes formas de busca pelo conhecimento



Dias atrás participei de um debate sobre as relações de poder em sala de aula. Das diversas temáticas a serem discutidas, fiquei encarregado de liderar uma mesa de debates sobre as diferentes formas de busca pelo conhecimento e a sua influência nas relações de poder em sala de aula.

Cada um dos grupos, participantes do evento, recebeu um pequeno texto que deveria orientar as discussões. Meu grupo recebeu o texto “Uma Brincadeira do Mestre”, texto extraído do livro “101 Cuentos Clásicos de la Índia” organizado por Ramiro Calle. Texto, muito interessante, que norteou minha fala naquela noite. Mas meu objetivo aqui não é reproduzir o debate, mas compartilhar as conclusões a que chegamos ao fim daquela noite.

O texto trabalhado, “Uma Brincadeira de Mestre”, narrada a história de um ancião indiano que, procurado por um grupo de aldeões, é convidado a dividir seus conhecimentos com os moradores da aldeia vizinha.

Convite aceito, o mestre perguntou aos aldeões se eles sabiam o que ele estava por lhes ensinar. Como a resposta foi negativa, o mestre lhes disse: “Nesse caso, não vou lhes ensinar nada. Sois tão ignorantes que nada que eu possa lhes ensinar vai valer a pena. Enquanto não souberdes de que vou lhes falar, não vos dirigirei a palavra”. Dito isto, os aldeões se retiraram da presença do ancião.

Passados alguns dias, os aldeões procuraram novamente o mestre. Quando este lhes perguntou novamente se sabiam o que lhes seria ensinado, responderam positivamente. O ancião, então, respondeu: “Sendo assim, não tenho nada para dizer-lhes, porque já sabem. Que passem uma boa noite, amigos”. Novamente os aldeões saíram da presença do mestre confusos e frustrados.

Passados mais alguns dias, os aldeões voltaram a procurar o velho mestre. Mas, quando foram perguntados se sabiam o que lhes seria ensinado, responderam: “Uns sabem do que o senhor nos ensinará, mas outros nada sabem”. O homem santo os olhou e respondeu: “Em tal caso, que os que sabem transmitam seu conhecimento aos que não sabem” e se retirou.

Em primeiro lugar é importante entendermos que a cultura oriental é muito diferente da cultura ocidental, da qual fazemos parte. Para nós é mais difícil entender a história do mestre indiano, pois aos nossos olhos o ancião estava sendo muito grosseiro com os aldeões ao não compartilhar com eles sua sabedoria. No debate do qual participei, ouvi, de alguns professores, que o mestre era na verdade um charlatão, outros afirmaram que ele era soberbo. Mas não é bem assim. Pois, segundo a tradição oriental (hindu e budista), o conhecimento está dentro de nós mesmos, antes de obtermos o conhecimento externo, necessitamos nos conhecer. Para os orientais, sem o autoconhecimento não temos como conhecer o restante. Portanto, o mestre da história, não estava exatamente se negando a compartilhar seu conhecimento, ele estava apontando o caminho, ou seja, para ele o conhecimento estava dentro de cada um dos aldeões, portanto, estes deveriam tratar de procurá-lo.

Porém, ao contrário dos orientais, para nós, ocidentais, o conhecimento não está dentro de cada um de nós, mas em algumas pessoas que, por sua vez, tem por missão esclarecer seus conhecimentos a todos os outros. Por esse motivo, médicos evitam compartilhar com outras pessoas suas descobertas, pois se todos souberem o que eles sabem, a classe médica perderia sua função na sociedade.

Mas isto não é exclusividade da classe médica, pois advogados, engenheiros e tantos outros, acreditam que se compartilharem seus conhecimentos perderão o “ar sagrado” que suas profissões lhes conferem.

E, o mesmo ocorre com muitos de nós, professores. Pois, a maioria de nós acredita que somos os detentores do conhecimento e que nossos alunos (vazios de saber) devem buscar nos professores o conhecimento. Ao pensarem assim, esses professores, geralmente não levam em consideração a vivencia e os saberes que seus alunos possuem. Por isso, se os alunos não se enquadrarem naquilo que o professor acredita ser o correto, não terão futuro em sua disciplina.

Por outro lado, o outro extremo também é perigoso, como o citado na história do mestre indiano, onde o professor acredita que o conhecimento está simplesmente no aluno.

Ao meu ver, as duas versões para a busca pelo conhecimento estão equivocadas. No meu entendimento, o conhecimento não está somente na vivencia do ser humano, mas também não está somente no professor, ou no médico, ou no advogado. O conhecimento, e as teorias de Jean Piaget e Paulo Freire estão fundamentadas nisto, está na interação entre o individuo, o professor e o meio onde estão inseridos. Portanto, o conhecimento é uma interação e uma construção onde todos têm a sua parte na construção do saber.

E, nos dias de hoje, onde as tecnologias transformam os saberes de forma acelerada, torna-se necessário ainda mais a interação entre o professor e o aluno. Pois muitos professores por desconhecerem as novas linguagens tecnológicas tratam de evitá-las, ou pior, proibi-las. Pois assim, não se submetem ao conhecimento do aluno. E, por isso, para muitos professores a tecnologia é perigosa e desencorajada.

Segundo Don Tapscott, especialista em tecnologias da informação, vivemos, hoje, um momento tecnologicamente irreversível onde o conhecimento não é mais gerado de um para muitos (como ocorre com o médico, detentor do conhecimento, que trata de muitos pacientes). Para ele, a internet possibilita a difusão de informações e conhecimentos de uma pessoa para outra e de muitas pessoas para muitas outras. A sociedade de massa (segundo Tapscott ultrapassada), onde uma pessoa era detentora do conhecimento e somente divulgava partes de seu saber (caso de médicos, advogados e outras tantas profissões, inclusive, professores) está com os dias contatos. Pois o conhecimento está cada vez mais disponível a todos.

Por tudo isso, torna-se necessário que os professores estejam devidamente preparados. Para assim, se tornem em orientadores dos caminhos ao conhecimento adequado, já que na web ainda existe muita informação duvidosa ou falsa. Com isso, o papel do professor passa a ser o de ensinar aos alunos como discernir o que é certo do que é errado, tornando cada vez mais necessária a formação ética e cidadã dos alunos.

Portanto, professores, atualizem-se e não percam a fé.

Marcos Faber