Na trama Marjane descreve todos os problemas enfrentados
pelos membros de sua família após a tomada de poder pelos fundamentalistas
islâmicos, a autora narra especialmente a perseguição que alguns de seus
parentes, membros do partido comunista, sofreram, sendo presos, torturados e
mortos.
Apesar dos dramas familiares, Marjane, que em 1979 era uma
criança, cresce como uma adolescente normal. Pensa em meninos, escuta música
(inclusive heavy metal) e sonha com o
futuro. Entretanto, o início da Guerra
Irã-Iraque obriga seus pais a enviá-la para à Áustria.
Na Europa, Marjane conhece um novo mundo. Experimenta
álcool, drogas, sexo e a desilusão. Após um período de descobertas, alegrias e
frustrações, a jovem retorna ao Irã. Em sua terra natal não existe mais guerra.
Mas o Estado islâmico controla tudo. As mulheres são obrigadas a usar um véu sobre
a cabeça e roupas que cobrem o corpo todo, apenas as mãos e o rosto podem ficar
descobertos.
Apesar dos homens terem mais liberdade, inclusive para se
vestirem, muitas outras coisas são proibidas: bebidas alcóolicas, maquiagem, pornografia,
manifestações públicas e a chamada literatura ocidentalizada são consideradas
ilegais, quem for pego portando alguma dessas coisas é preso. Não existe
liberdade de pensamento. As proibições ocorrem em nome da Religião. Tudo acontece
em nome da fé.
Em meio a tudo isso, Marjane não consegue entender que tipo
de fé é essa que impede que as pessoas pensem por si mesmas. Afinal, que
direitos as autoridades políticas tem para definir o que é bom ou ruim para os
indivíduos. Para piorar, a maioria dos membros do governo ou dos órgãos de
controle sequer possuem instrução adequada para exercerem suas funções.
Contudo, a intolerância religiosa demonstrada no filme (e na
HQ) não se refere apenas à religião ou a fé, mas aos costumes. As autoridades
iranianas acreditavam, como talvez ainda acreditem, que é obrigação da religião,
e do Estado, estabelecer o que deve ou não ser celebrado, o que deve ou não ser
lembrado e assim por diante, independente do que acreditem ou pensem os
indivíduos. Para os seguidores dessa
forma de pensar a fé não é uma escolha, mas uma imposição.
Curiosamente, mesmo em nossos dias, algumas lideranças
religiosas ainda pensam assim. Acreditam serem os donos da verdade e, que por
esse motivo, todos devem lhes ouvir e seguir. Se fossem eleitos para governar
nosso país iriam impor sua crença e condenar todos os que pensassem diferente
deles, igualmente ao caso dos iranianos. Pessoas assim não se preocupam com a
liberdade de escolha dos outros, pois não acreditam em livre arbítrio.
Esse é o grande problema de uma fé irracional, ou seja, sem
fundamentos, sem raízes. Uma fé que se baseia apenas em interpretações pessoais
sobre o que é certo ou errado. Uma fé que não possui profundidade, que não
segue a um ou mais livros sagrados, mas é baseado em “revelações” ou em interpretações
que um “profeta” fez sobre fragmentos de um livro sagrado – isso quando o tal
livro foi consultado, o que nem sempre acontece. É por isso que agem de forma
tão mesquinha e autoritária, pois não sabem como lidar com as diferenças e
muito menos com as críticas. Assim sendo, a oposição torna-se perigosa, pois
pode desmascaram a ignorância dessas autoridades religiosas.
Por tudo isso, Marjane não se enquadrava mais na sociedade
iraniana, pois já havia conhecido um mundo onde as fronteiras geográficas e
ideológicas já haviam ultrapassado em muito as do Irã.
Ler ou assistir Persépolis
é sem dúvida uma fonte indispensável para conhecermos um pouco mais sobre o
Irã, uma das nações mais auto isoladas
do mundo, e também para refletirmos sobre nossa forma de ver e entender os
outros, principalmente quando pensam diferentes de nós.
www.historialivre.com
marfaber@homail.com