terça-feira, 26 de julho de 2016

O que estaremos estudando daqui a dez anos: O Governo Petista (parte 2) A Questão da Educação


O QUE ESTAREMOS ESTUDANDO DAQUI A DEZ ANOS: O GOVERNO PETISTA (parte 2): A QUESTÃO DA EDUCAÇÃO

Encerrei a primeira parte deste texto concluindo, de forma parcial, que “os movimentos que levaram ao processo de Impeachment de Dilma Rousseff representam uma reação conservadora às mudanças sociais propostas pelo governo petista”.

Agora, nesta segunda parte, tenho por objetivo exemplificar tal conclusão. Para isso, vou analisar as tentativas de transformação social propostas pelo governo petista e como ocorreu a resistência a estas transformações. Para isso, farei o recorte em apenas um tema: a educação.

A escolha deste tema é justificável pelo simples fato de que eu não acredite que exista algo mais propício à transformação social do que a educação. Também escolhi esta temática amparado no discurso anti-assistencialista, onde os críticos dos programas sociais costumam afirmar que “não se deve dar o peixe, mas ensinar a pescar”.

Mas antes de iniciar a análise propriamente dita, gostaria de explicar como a educação se desenvolveu no Brasil. Para isso recorro a Paulo Freire.

Paulo Freire foi e ainda é um dos brasileiros mais prestigiados no exterior. Suas teorias mudaram em muito a forma como a educação e a prática de ensino deveriam ser aplicadas. Um dos fundamentos da teoria freiriana está na crítica daquilo que o autor chamou de educação bancária. Segundo ele, a educação bancária era adversa a qualquer tipo de mudança social, pois, na verdade, tinha por objetivo manter sociedade exatamente como era.

A educação bancária tinha duas características principais, a primeira era reproduzir os interesses sociais defendidos pelo sistema econômico adotado pelo país. Isto é, tinha por objetivo dividir a sociedade entre aqueles que possuem poder aquisitivo (e que frequentam as melhores escolas) daqueles que não possuem poder aquisitivo (e que frequentam escolas onde não existem investimentos). Os primeiros eram preparados para ingressarem nas universidades brasileiras (e, claro, ocuparem os cargos mais elevados da sociedade), já os segundos formariam a mão-de-obra barata e desqualificada que engrossaria a massa de trabalhadores.

A outra característica deste tipo de educação, estava em sua prática. Pois neste sistema de ensino o aluno não tinha participação na construção do conhecimento. Pois a escola funcionava como um banco, onde o professor “depositava” o conhecimento no aluno para posteriormente realizar o “saque”, que ocorria na realização das provas e avaliações. Esse tipo de educação privilegiava a “decoreba” em detrimento do conhecimento. Além de alienante, a educação bancária é por essência excludente.

Entendido isso fica mais fácil compreender o motivo pelo qual, durante décadas, o sistema de educação nacional tenha excluído milhares de brasileiros das universidades.

Mas, contrariando esta lógica, Paulo Freire defendia uma educação transformadora e libertadora. Pois segundo ele, o Brasil somente seria transformado por meio da educação e da cultura. A transformação somente seria possível por meio da tomada de consciência. Somente quando o povo brasileiro tivesse consciência do que estava errado no país, poderia compreender o que necessitava ser mudado e, somente assim, o Brasil avançaria. Para Freire, só a educação poderia realizar tal tarefa (1).

Infelizmente, durante muitas décadas a educação no Brasil reproduziu o modelo bancário de educação. E como consequência o país viu seus índices de desenvolvimento humano ficarem muito atrás de outras nações.

Só para se ter uma ideia, em 1995 o Brasil tinha 12% de sua população matriculada em instituições de ensino superior (2), números muito abaixo dos 35% de uruguaios matriculadas em universidades no mesmo período. Mas se compararmos com países europeus o abismo que nos separava destas nações é assustadora. Como é o caso da Rússia, que nem é lá essas coisas, mas que tem 54% de sua população com diploma universitário (3).

Para resolver esse grave problema, o primeiro passo, sem dúvida, seria o de tornar o acesso ao Ensino Superior e Técnico mais amplo no país. Pois o acesso à universidade pública ainda hoje é privilégio de pessoas que se recusam a ter os filhos matriculados em escolas públicas. O que é uma contradição. Pois se alguém não se importa em pagar uma mensalidade altíssima para que seu filho estude em uma escola de alta qualidade, por que deseja que seu filho tenha acesso à universidade pública?

Como forma de contornar esta distorção os governos de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016) passaram a investir no acesso ao ensino Técnico e Superior, para tanto foram criados ou reestruturados programas de acesso à educação como PROUNI, PRONATEC e FIES.

E o sucesso de tais projetos se mostraram rapidamente. Criado em 2011, o PRONATEC já beneficiou mais de 12 milhões de estudantes. Somente em 2015, o programa atingiu 4,8 milhões de estudantes da rede pública com acesso gratuito à cursos técnicos (4).

Quanto ao ingresso à universidade. Entre 2002 e 2012 o número de estudantes universitários cresceu 77,1% no país. (5). Segundo o professor Naomar de Almeida Filho, ex-reitor da Universidade Federal da Bahia (2002-2010), em 2001 eram 502.960 universitários matriculados no país enquanto que em 2010 este número subiu pata 1.010.491 brasileiros matriculados em instituições de ensino superior. Ainda segundo Naomar, 188.683 novas vagas abertas em universidades federais dentro do período 2003 e 2008 (6).

A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES) constatou que em 2014 “FIES e PROUNI  respondem por 31% de matrículas de universidades privadas” (7).

Já o especialista em Direito Educacional, Fernando Antônio de Andrade Moraes, em artigo publicado no portal Âmbito Jurídico, afirmou que os programas sociais de inclusão universitária como o PROUNI, apesar de terem suas falhas, estão possibilitando que setores sociais anteriormente excluídos das universidades, hoje tenham acesso ao ensino superior (8).

Uma pesquisa realizada em 2013 apontou que, desde sua criação em 2005, o PROUNI havia distribuído 1,6 milhões de bolsas de estudo no país, atingindo especialmente a classe C. Segundo reportagem do Jornal Zero Hora de Porto Alegre, o programa fez com que a Faculdade “que era uma coisa distante, agora se tornara uma realidade para milhares de brasileiros” (palavras do jornal) e seguiu apontando os depoimentos de várias pessoas que foram beneficiadas pelo programa social e que tiveram suas vidas transformadas após o ingresso em uma faculdade (9).

Apesar de estarem muito longe de resolverem o problema educacional no país, estes programas estão transformando, por meio da educação, a vida de milhares de brasileiros que de outra forma não teriam acesso ao ensino superior. Esses números mostram que o país está passando por uma grande transformação ocasionada pelo ingresso à educação. Só para se ter uma ideia, hoje, o país tem aproximadamente 28% de sua população matriculada em uma universidade (10).

Entretanto, esta tentativa de transformação social por meio da educação levou a ira setores conservadores de nossa sociedade. Motivo? Sentiram-se ameaçados pela perda de vagas em universidades públicas.

E o estopim ocorreu quando a presidenta assinou a lei 12.711/2012 que destina 50% das vagas em universidades públicas para estudantes oriundos de redes públicas.

Em resposta, milhares de pessoas se manifestaram em contrário. As elites conservadoras protestaram contra o ingresso de alunos de redes públicas em universidades federais. Houve protestos de alunos de escolas particulares contra as cotas sociais no Distrito Federal (11), em Sergipe (12), em Goiás (13), no Piauí (14) e em várias cidades brasileiras. Os jovens manifestantes (brancos e bem-nascidos) portavam cartazes com dizeres como “Cotas: o famoso jeitinho brasileiro” e “Educação é Progresso”.

Para piorar até mesmo a Universidade de São Paulo (USP) se posicionou contra as cotas raciais (15).

Em entrevista ao site Terra, Amábile Pacios, presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (FENEP), afirmou que "quando você coloca um aluno de escola pública de má qualidade em uma faculdade de quatro anos, ele levará oito para terminar. A qualidade vai amarrar o aluno na caminhada da universidade" (16). Espero que este discurso preconceituoso seja apenas para justificar a defesa de seu público consumidor. Pois que critérios ela está balizada para afirmar que um aluno que ingressa numa universidade está vindo de uma escola de má qualidade? Se isso fosse verdade este aluno jamais estaria numa faculdade! Parece que ela desconhece o processo de seleção que os candidatos são submetidos, seja pelo ENEM ou vestibular. Afinal, ninguém está ganhando nada. O que está ocorrendo é uma divisão igualitária de vagas para alunos oriundos de redes diferentes.

Contudo, o discurso conservador, que deseja manter as universidades nas mãos das elites brancas e bem-nascidas, ganhou força com a deposição da presidenta Dilma Rousseff. Pois a desarticulação de importantes programas como PROUNI, PRONATEC e FIES já iniciaram com o corte de investimentos em programas sociais (17-18).

O governo provisório de Michel Temer cortou em mais da metade os investimentos no PRONATEC para 2016 e 2017. O orçamento previa o investimento de 4 bilhões de reais no programa, mas o governo cortou para R$ 1,6 Bi (17). Já o PROUNI viu os investimentos previstos para 2016 caírem 17% em relação ao ano anterior. Se em 2015 eram 68.971 bolsas integrais, este ano serão 57.092 bolsas (18).

Mas o pior ainda está por vir, já que o governo acena com a diminuição progressiva de investimentos em educação nos próximos anos. A Revista Exame publicou uma matéria sobre a solução adotada pelo governo Michel Temer para sair da crise econômica, o título da matéria já diz tudo: “Grupo de Temer quer cortes em saúde e educação” (19).

Infelizmente estes grupos elitistas parecem não compreender que o avanço da escolaridade é uma necessidade nacional. Não compreendem que se os níveis de escolaridade evoluírem, serão estas mesmas elites que se beneficiarão com trabalhadores mais qualificados. Também parecem desconhecer que uma nação progride de acordo com o desenvolvimento de sua população. Pois de nada adianta o país ser a sétima maior economia do mundo se apenas uma pequena parcela da população aproveita desta riqueza.

Mas se não compreendem isso. Como poderíamos crer que estas mesmas elites conservadoras poderiam aceitar transformações em outras áreas como acesso à moradia, reforma agrária ou distribuição de renda?
www.historialivre.com/blog


Fontes citadas no texto (na ordem em que foram citadas) 
(1) FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1990.
(2) http://www.nalijsouza.web.br.com/educacao_brasil.pdf
(3) http://educacao.uol.com.br/noticias/2011/04/21/pesquisa-sobre-populacao-com-diploma-universitario-deixa-o-brasil-em-ultimo-lugar-entre-os-emergentes.htm
(4) http://www.pronatec2015.com
(5) http://www.infomoney.com.br/carreira/educacao/noticia/2580573/numero-estudantes-universitarios-cresce-anos
(6) http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Educacao/Educacao-superior-em-Lula-x-FHC-a-prova-dos-numeros/13/16291
(7) http://www.andifes.org.br/fies-e-prouni-ja-respondem-por-31-de-matriculas-de-universidades-privadas
(8) http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10252
(9) http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2013/05/pesquisa-aponta-perfil-de-filhos-da-nova-classe-media-4141665.html?impressao=sim%3Fimpressao=sim
(10) http://noticias.r7.com/educacao/brasil-tem-73-milhoes-de-estudantes-universitarios-diz-mec-09092014
(11) http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2012/08/alunos-de-escolas-particulares-fazem-protesto-no-df-contra-cotas-sociais.html
(12) http://correionago.com.br/portal/estudantes-de-escolas-particulares-de-sergipe-fazem-protesto-contra-cotas
(13) http://aredacao.com.br/noticias/17200/estudantes-de-escolas-particulares-protestam-contra-cotas-nas-universidades
(14) http://www.portalodia.com/noticias/piaui/estudantes-realizam-manifestacao-em-teresina-contra-as-cotas-nas-universidades-149662.html
(15) http://www.cartacapital.com.br/educacao/universidade-de-sao-paulo-diz-nao-as-cotas-raciais-7882.html e https://noticias.terra.com.br/educacao/cotas-para-escolas-publicas-geram-polemica-entre-especialistas,d3db42ba7d2da310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html
(16) http://noticias.terra.com.br/educacao/fenep-lei-de-cotas-faz-pais-assumir-que-rede-publica-e-ruim,2f9b42ba7d2da310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html
(17) http://www.cursoseprofissoes.com/o-pronatec-acabou/
(18) http://g1.globo.com/educacao/noticia/total-de-bolsas-integrais-cai-no-prouni-2016-do-segundo-semestre.ghtml
(19) http://exame.abril.com.br/economia/noticias/grupo-de-temer-avalia-desvincular-beneficios-do-minimo

Nenhum comentário:

Postar um comentário